conto. fraco o forte...

forte é natural

 


 

 

Fraco ou forte

 

Artur finalmente sentia-se um homem totalmente feliz. Ele e sua esposa,   sua querida companheira duma vida haviam-se reformado e comprado a casinha de seus sonhos que se situava numa terriola rodeada por uma luxuriante natureza.   Ambos haviam trabalhado para o estado durante quarenta e cinco anos até conseguirem a tão ambicionada aposentação. Era com grande satisfação que ele descia a estreita estrada em direcção ao vilarejo, um quilómetro desviado da sua recente moradia. Albertina tinha lhe dito que precisava arroz para convencionar a sobremesa favorita dos dois, o afamado arroz doce. Então era com grande alegria que ele descia a estrada. Cantava de satisfação e com emoção cheirava os aromas que a floresta lhe oferecia. Sim, estava feliz. Estava verdadeiramente feliz! Não quiseram ter filhos,   mas criavam inúmeros animais abandonados , pois tanto ele como sua mulher adoravam toda as espécimes fossem quais fossem. Nas traseiras da casinha havia um terreno ainda razoável que eles   designavam de seu jardim zoológico! Havia de tudo. Um pombal; um galinheiro, um canil; um gatil; dois burros que por vezes eram seu meio de locomoção. Mas hoje ele resolveu vir a pé. Podiam ter comprado um carro, mas tanta lata no meio de tanta beleza era como ferir a floresta. A vila ficava mesmo ali!Enquanto seu esposo, seu amado marido   tinha ido a vila, Albertina aproveitou para dar um olhinho aos seus animais. Não cabia em si de contente. Artur era um bom homem, teve o trabalho que sempre gostou, e tinha muitos, muitos amigos de quatro patas e duas para se distrair. Calçou as galochas e entrou no galinheiro para recolher os ovos e ao sair deparou-se com três homens encapuçados que rapidamente a agarraram e a levaram para dentro de sua casa. Já no interior foi selvaticamente arrastada pelos cabelos , pontapeada sem piedade, até lhes informar onde guardava seu ouro, dinheiro, enfim, tudo que fosse mais ou menos valioso. Albertina   estava em pânico. Todo o seu corpo tinha sido vardascado pelos três homens, pessoas sem uma gota de sensibilidade.Depois de 15 minutos de terror e de conseguirem o que desejavam, a esposa de Artur foi esfaqueada dezenas de vezes até se escoar em sangue. Bom dia, cumprimentou o novo habitante da vila. Chamo-me Artur e vivo no lugar do poiso ,já a dois meses mais ou menos informou a entrar na pequena mercearia. Então seja bem-vindo, devolveu-lhe a amabilidade o dono da lojeca , senhor António, um sexagenário muito sorridente. Artur estava verdadeiramente a viver dias de grande felicidade. Seu mundo era perfeito! Adorava sua mulher, sentia-se orgulhoso porambos terem planeado tudo ao pormenor e ter dado certo, sentia-se um privilegiado! Na mercearia de senhor António todos iam, não porque fosse tudo mais barato, não, não o era, mas sim porque era uma pessoa conversadora e muito culta. Não havia habitante que não gostasse dele. Artur nem deu pelo tempo passar. Quando olhou para o relógio assustou-se com o tempo que levou na converseta! Ai jesus Albertina mata-me, exclamou zarpando de súbito da mercearia deixando os restantes a rirem-se com seu jeito aflito. Apressado comeu metros atrás de metros e quase foi atropelado por um carro negro que descia a estrada a grande velocidade! Deve ser uma excepção pensou. Albertina! Querida, desculpa pelo atraso, gritou do portão. Deve estar no quintal, pensou Artur dirigindo-se para lá. Albertina querida! Onde estás meu tesouro? Que se passou aqui, interrogou-se ao ver a porta do galinheiro aberta e as galinhas todas soltas. Albertina? Seu coração deu em galopar no peito. Algo de muito estranho estava a acontecer, sua mulher não era de se descuidar ao ponto de deixar as galinhas saírem. Sentiu uma repentina angústia e correu para casa onde rapidamente constatou que algo de grave tinha acontecido. Albertina! Albertina, gritou entrando velozmente na sua casa. Haviam móveis tombados, vasos partidos, estava tudo virado do avesso. Albertina, continuou a gritar até seus olhos baterem no corpo de sua mulher amada que jaziacaída no chão, quase embebida no seu próprio sangue. Não! Não, murmurou Artur atirando-se para junto dela. Albertina! Meu amor fala comigo, disse-lhe. Pegou nela e mal a suas mãos tocaram no seu corpo, logo ficaram sujas do sangue que ainda jorrava pelos múltiplos cortes que lhe infligiram! Não! Não! Não me podem fazer isso! Albertina, ouve-me amor ainda nos falta tantos anos de vida querida. Não vais abandonar teu velhote pois não? Artur verdadeiramente desesperado, desorientado, conversava com sua esposa como se ainda tivesse vida. Ele inconscientemente sabia que ela já havia partido. Era impossível estar viva. Depois da polícia ter executado suas diligências, depois de ele ter sido interrogado, Artur passou essa noite em claro gritando por sua esposa. As semanas, os meses seguintes foram meses de verdadeiro suplício. O desânimo tomou conta de sua vida, ao ponto de lhe retirar a vontade de viver. Albertina era a metade que o completava, o sorriso mais sincero, o beijo inesperado, o abraço de reconforto, enfim, era sua vida! Sem sua presença mais nada fazia sentido. Contudo, Artur passado algum tempo, muito tempo, foi recuperando da tristeza mas da memória de Albertina não! A pergunta pertinente era; Serei mais algum dia feliz? Como descansarei este coração , esta dor permanente , esta aflição todas as noites que me deito e constato que não tenho do meu lado quem tanto amo? Que farei sem sua companhia depois dos 65 anos? Quem serei sem seus alvitres tão oportunos e assertivos? Que mais me motiva neste mundo sabendo que nunca mais lhe pedirei opiniões? Ora, o psicólogo ouvia com atenção as mágoas, os desgostos do seu cliente com muita atenção. No finalzinho da consulta disse-lhe por fim; Ouvi tudo o que falou, ouvi todas as suas agonias, e uma coisa ficou bem clara para mim, você é um homem fraco! Artur não esperava ouvir aquele diagnóstico. Fraco? Sim fraco, repetiu o psicólogo. Falou que não era nada sem ela, não fazia nada sem ela, ela, ela, e maisela! E você ? Além de só viver para ela nunca lhe perguntou o que ela pensava disso? Disso o quê senhor doutor. Da sua dependência. Sim meu caro, acrescentou o psicólogo. Você não tinha vontade própria! Se sua mulher não concordasse era a opinião dela que prevalecia , estou errado? Mas era porque eu a amava! Amar não é fazer sempre o que o outro quer meu caro. Mas nós éramos muito felizes! Seria? O senhor está a duvidar da minha palavra? Artur saiu verdadeiramente furioso do consultório. Nunca mais falaria com aquele maluco! Vejam lá bem, resmungava ao sair. Albertina, que audácia! Sua esposa tudo o quanto fazia ele sabia, não havia nada que ela não lhe contasse!

Aquela casa, aquele lugar, as memórias de sua mulher, as saudades, tudo junto fizeram com que tomasse a decisão de mudar de casa, mais nada o prendia naquela terra. Tão depressa o pensou como depressa voltou para a cidade que a conheceu e onde ambos foram muito felizes. No entanto a conversa do psicólogo não lhe saía da mente. Revoltava-se todas as vezes que se recordava da cara do maluco! Mesmo não sabendo o porquê e pela primeira vez vasculhou as coisas de sua mulher. Ao fazê-lo sentiu-se mal. Desculpa amor por estar a duvidar, mas é para ver se afasto a voz do doido do psicólogo da minha cabeça, murmurava a tentar abrir uma caixa que encontrou dentro do guarda-vestidos e que nunca tinha visto. Depois de muito procurar constatou que a chave para abrir a dita caixa não existia! Deixou para mais tarde e arrumou todos os seus pertences, deu toda a roupa de sua mulher a uma instituição, vendeu os móveis recém-comprados e zarpou para lisboa. Ora, fora já na capital e instalado que mais uma vez tentou abrir a caixa. Você é um fraco! Aquela voz não lhe saía da mente, estava a dar em maluco. Então teve de ser a martelada a abertura . Suas mãos tremiam ao mexer nos documentos minuciosamente acondicionados. Haviam algumas fotos. Fotografias de pessoas que nunca tinha visto antes. Numa delas sua mulher sorria agarrada a um homem fardado a marujo! Enquanto Artur lia as cartas as lágrimas caíam-lhe abundantemente. Mas uma em especial emocionou-o muito. Para minha Albertina do seu Carlos. Meu amor, ao leres esta carta espero que te encontres bem. Não vejo a hora de finalmente ficarmos juntos. Minha vida sem ti não tem sentido, minha mulher não é aquela que todas as noites me deito, nem aquela que todos os dias tenho de dizer bom dia pela manhã. Tu sim és a minha mulher, aquela que um dia será por inteiro minha! Recordo-me variadas vezes do nome do hotel capitalista, do quarto número 45 , nosso ninho de paixão, nosso paraíso, nosso refúgio amoroso. O coração de Artur quase parou de tanta infelicidade. A mulher que sempre amou, aquela que nunca traiu, aquela que dava a vida se fosse preciso, tinha um amante! Depois de as ler uma-a-uma e de verificar as datas, reparou que o o oculto romance durou até quase a ida para a terriola onde acabou por ser assassinada. Não podia acreditar no que viu e leu! Ainda estupefacto e com uma ligeira esperança que tudo não passasse dum erro enorme, verificou na recepção do citado hotel se alguém conhecia sua mulher e o presumível amante. Artur recebeu da boca do próprio gerente que por acaso estava junto da recepcionista o maior abalo emocional da sua vida. Sim, esta é a senhorita Albertina e seu esposo Carlos um nobre oficial da marinha portuguesa! Todas as quartas feiras passavam a tarde juntos, sabe como é, marinheiro está sempre de malas feitas, sempre de partida! Quartas? Esse era o dia que supostamente Albertina ia ao ginásio, recordou-se Artur agradecendo ao homem. Verdadeiramente destruído pordentro, com sua mente vazia, lembrou-se novamente do psicólogo ; Você é um fraco! Você é um fraco! Os dias que se seguiram foram complicados, muita lágrima vertida, muitos porquês. Mais ou menos uma semana depois da revelação, Artur procurou o dito oficial. Não lhe foi difícil pois levava a foto consigo. Pergunta aqui, pergunta ali, chegou a moradia do dito cujo, o homem que o encornava. A casa era linda. Defronto a mesma havia um lindo jardim com um lago enorme. Junto dele Artur avistou Carlos abraçado a duas lindas raparigas que provavelmente seriam suas filhas. De repente junta-se aos três uma mulher de meia idade que de pronto o beijou na boca para alegria das duas moças. Vestia-se com elegância, um vestido que lhe dava pelos pés e usava o cabelo preso com um gancho, e seu rosto era verdadeiramente bem delineado. Bateu as palmas fazendo todos virarem-se na sua direcção. Aquele homem não merecia ser feliz! Ele era o culpado de sua destruição. Foi evidente que o reconheceu. Ficou bem claro que ele fazia de tudo para que ninguém abrisse o portão. Mas foi tudo em vão, sua mulher ainda de longe perguntou-lhe o que desejava. Não, não pode ser um ladrão! Não abras Fátima, gritou-lhe seu marido correndo para junto dela. Minha senhora existe várias coisas sobre o seu marido que precisa saber, disse-lhe Artur do lado de fora das grades. Meu marido? Não lhe ligues querida , deve ser um maluquinho. Já agora quero ouvi-loretrocou abrindo o portão. Carlos baixou a cabeça e não mais falou. Que sabe sobre o meu marido que eu não sei? Artur ouviu a voz do psicólogo; Você é um fraco! Ouviu senhor? Que sabe a respeito dele que eu não sei? Você é um fraco! Senhor Carlos, disse-lhe Artur. Sua esposa não sabe mas eu vou a informar. Não diga nada que depois se arrependa, murmurou o oficial esperando o pior. Minha senhora, esse homem que está do seu lado não é nada mais nada menos que um herói nacional! O quê? Carlos levantou a cabeça e seus olhos arregalaram-se. Esse homem que eu vou ter o prazer de apertar a mão mesmo não o sabendo salvou minha vida! Como assim senhor, perguntou-lhe a mulher de ar confuso. Sim madame. Eu andava perdido e continuava perdido se seu marido não me tivesse ajudado! Ele certamente lembra-se de mim, acrescentou Artur estendendo-lhe a mão que Carlos apertou timidamente. A bonita mulher virou-se para o marido ainda um pouco baralhada. Conhece-lo? Bem querida… Sua humildade não lhe permite dizer mas eu digo! Este homem que está a minha frente livrou-me do peso de viver preso a uma ilusão, uma fantasia que só eu a alimentava! É verdade querido, perguntou-lhe sua esposa. Bem, sim é, respondeu baixando de novo a cabeça. Sejam felizes e que o amor reine de verdade entre vós. Dizendo isso Artur deu-lhes as costas e bateu com o portão. Recordou-se das palavras mais uma vez; Você é um fraco! Deu dois passos em frente e murmurou; Maluco !

 

Fim.

 

Roberto Marcos

 

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