Conto obstinado coração

amor é verdade...

 


 

 

Obstinado coração

 

José acordou verdadeiramente satisfeito. Depois de três meses trabalhando arduamente num país estrangeiro, chegara o dia tão esperado! O regresso ao seu Portugal e ao seu Alentejo estava por horas.   Deixara uma mãe doente, os amigos, e o principal motivo de sua viagem; Sua amada Luísa, a mulher que amava mais que tudo no mundo. Havia que amealhar algum para o casamento que ambos tinham marcado para um mês depois de sua chegada. Tinha razões suficientes para se sentir o homem mais feliz do mundo. Durante o tempo que esteve nas colheitas em frança, privou-se de quase tudo. O intuito era arrecadar o máximo possível com o propósito bem delineado; Dar uma vida confortável a Luísa e sua mãe. Nos últimos cinco anos pela altura da apanha da maçã nos grandiosos pomares franceses, lá estava ele pronto a trabalhar dia e noite se preciso fosse. No seu país a mão de obra era muito mal paga, fazendo com que José acompanhasse a temporária emigração de centenas e centenas de jovens e menos jovens rumo a frança e países limítrofes. O dinheiro que havia economizado nos últimos anos, davam-lhe uma perspectiva de futuro risonho.

Seu coração estava a transbordar de saudades. Ouvir a voz de sua amada não era a mesma coisa que tocar na sua pele aveludada , beijá-la com doçura, ou passear juntos pelos campos ao abandono do grande Alentejo. Quanto a sua mãe, deixaria de precisar servir nas casas dos mais abastados da região, serviço que abraçou desde que seu pai faleceu de ataque cardíaco. ele estava a pensar abrir um negócio na vila, e com a ajuda de sua Luísa certamente seriam bem sucedidos.

Depois de telefonar a sua mãe informando que já tinha chegado a Portugal , e de lhe perguntar porque Luísa não lhe atendia o telefone, tomou um táxi até a estação de comboios e pela tardinha rumou ao seu Alentejo com a mente cheia de planos e a alma repleta de amor para dar. Ora, José chegou a sua terra natal pela noitinha, já a vilapreparava-se paradormir. Foram breves os minutos de alegria. Sua envelhecida mãe deu-lhe a pior notícia que havia ouvido na sua ainda curta vida; Luísa tinha-se casado com outro! Então pouco tempo mãe? Era evidente a tristeza no rosto enrugado de sua mãe. Não me perguntes como foi possível, nem sei como ela teve o atrevimento de te fazer uma coisa destas, filho. De repente José desceu dos céus até ao profundo dos infernos. Ele que não gastou um tostão mal gasto, ele que todos os dias ouvia da boca dela juras de amor eterno; ele que trabalhava dia e noite pensando num futuro em conjunto;e que agora e dum momento para o outro sentia-se o homem mais amargurado, mais traído , mais patética de Portugal. Apesar das tentativas de o animar, sua mãe nada pôde fazer para secar as frustradas lágrimas que brotavam dos olhos de seu querido filho.

Passaram-se muitos dias até que ele aparecesse nos locais que antes frequentava normalmente e onde era muito bem-visto. Era evidente os olhares de pena em sua direcção. A vila era pequena e todos mais ou menos conheciam-se, aquela notícia disseminou-se rapidamente duma extremidade a outra. Mas José havia herdade a obstinação de seu falecido pai, a delicadeza de sua ainda viva mãe, e a coisa mais valiosa quanto a si; dignidade! Se Luísa o havia traído, se ela dizia que amava e não, restava-lhe chorar as escondidas, amargar no escuro do seu quarto e pela madrugada quase inconscientemente murmurar seu nome. O que seria um projecto a dois, passou a ser um objectivo duma só pessoa. Então em três meses, entre   estudos de mercado e numa busca constante pelas pessoas mais entendidas no sector empresarial, aconselharam-no a abrir um restaurante para carteiras mais rechiadas pois o Alentejo entrara em definitivo na rota do turismo de luxo.

José não fez por menos, comprou um palacete em ruinas por uma tuta e meia, mandou que o reconstruissem tal e qual era antes , e mantendo a fachada original, fez do antigo palacete um restaurante para ricos e no andar de cima, cinco quartos de luxo só ao alcance das bolsas mais abastadas. Ora, para tudo isso, o dinheiro que havia ganhado durante os cinco anos não lhe deram nem para fazer restaurar a fachada, quanto mais ao edifício todo. Então teve de pedir um empréstimo avultado afim de terminar o projecto que lhe vinha ocupando o tempo e a mente durante a feitura da obra e mais tarde sua inauguração. Quanto a Luísa nada sabia, nem nada queria saber. Quanto a sua mãe limitava-se a o acompanhar para todo o lado!

A inauguração do projecto foi um sucesso nacional, foi divulgado por todos os Max media, e não tardou que as primeiras reservas fossem feitas. José passou dum momentâneo ocasional emigrante para um homem de negócios bem sucedido e muito respeitado em todo o grande Alentejo. Mas faltava-lhe uma coisa em sua vida. Algo em sua vida estava por completar. Como um quebra-cabeças, faltava-lhe a peça fundamental, aquela peça que daria sentido ao jogo da vida. Luísa! Sim, ele nunca a havia esquecido. Apesar dos esforços; contrariando sua mente; constantes tentativas para amar outra mulher; tudo, tudo mesmo foi infrutífero   perante o grande amor que ainda nutria por ela. Era como uma comichão, quanto mais se coçava mais vontade se tinha de coçar!

Não, ele não amaria mais ninguém.Contudo, o destino para alguns, casualidade para outros, dedo divino etc. Luísa fica viúva por morte súbita de seu até então marido. José só ficou a saber disso por um dos seus colaboradores meio por acaso. Sem marido, sem apoios familiares desde que havia feito tamanha maldade a José, Luísa viu-se só no mundo e sem ninguém que lhe quisesse estender a mão. Além do negócio de José, pouco mais havia que lhe desse emprego, e mesmo do pouco que existia já estava tudo ocupado. Luísa começou a viver de caridade alheia! A frieza com que sua família a tratava era atroz. A indiferença que a maioria das pessoas a olhavam, era de arrepiar, os insultos, as cuspidelas para seus pés, tudo, tudo isto era recorrente no seu dia-a-dia.

Num acto de puro desespero, José foi por ela procurado com o intuito de lhe dar emprego. Pela primeira vez em muitos anos e depois de ela lhe ter feito o que fez, ambos ficaram frente-a-frente. Em que te posso ajudar. Perguntou-lhe ele simulando frieza. Houve cortantessegundos de silêncio. Luísa baixou a cabeça e começou a chorar. José manteve-se calado. Eu não vim aqui pedir perdão por ter amado outra pessoa, não , não foi isso. O único perdão que te peço é por ter sido da maneira que foi! Tu mais que ninguém não o merecias. Disse-lhe ela limpando as lágrimas com as costas das mãos. Eu amava-te mais que a mim mesmo. Tudo o que fazia era a pensar em ti e como te fazer feliz. Retrocou José de voz embargada. Não, não merecia o que me fizeste. Quase destruíste todos os meus sonhos. Complementou José levantando-se e colocando-se de costas para ela. Sim, eu dou-te emprego. Agora sai! Obrigado José. Disse-lhe Luísa saindo ligeira porta fora, deixando seu antigo namorado de lágrimas nos olhos.

Uma vez por ano José era o organizador duma grande festa no centro da aldeia. Vinham bandas, cantores, artistas de todo o país. Todo o dinheiro arrecadado era para a associação criada por si para ajuda da população mais desfavorecida.

A noite estava amena, José batia o pé ao som duma banda de baile com vontade de dar um pezinho de dança. Em tempos ele e Luísa gostavam de dançar nos bailaricos que havia especialmente na época balnear. Dançavas bem… José foi surpreendido por Luísa. Ajeitava-me. Respondeu-lhe ele. O povo gosta de ti. Tornaste-te um exemplo para toda a região. Acrescentou Luísa. Sim. Disse-lhe ele de voz sumida. Bem, a população está feliz, eu vou para casa, amanhã espera-me um dia de trabalho cansativo. Rematou José. Podes me dar boleia? José estacou e olhou Luísa. Nos olhos. Ela voltara a ser a mulher mais linda da vila, do Alentejo, de todo o mundo!

Claro que sim.

No trajecto e depois de alguns minutos de silêncio, Luísa pergunta-lhe. Porque nunca mais te vi com uma mulher? Não me digas que passaste a gostar de homens. José travou o carro de repente, e virou-se para ela dizendo-lhe; Não Luísa, eu todos os dias pergunto-me; José porque ainda amasa mulher que mais te magoou? Todos os dias eu vejo-me ao espelho e pergunto-me a mim mesmo; José porque não partes para outra, existem milhares de mulheres que certamente gostariam de estar contigo? Sabes o que ele me responde? Luísa fixou seu olhar nos olhos lacrimejantes de José. Não, não posso! Eu amo tanto, tanto mas tanto aquela mulher que um dia se ela chegasse de novo perto de mim e me dissesse que me queria de volta apesar de tudo, eu sorriria de alegria e nesse mesmo dia seria novamente o homem mais feliz do mundo!

Este é o meu dilema, percebes? José colocou o carro de novo em andamento , Luísa manteve-se muda o resto da viagem. Desliga o carro por favor José. E olha para mim disse-lhe ela.   Nós não mandamos no coração. O coração é talvez o único órgão que tem seus próprios regulamentos. Não o podemos contrariar, percebes? Claro que percebes. Agora neste momento meu coração ordenou-me que te diga; Perdoa-me por te ter magoado tanto; Perdoa-me por ter sido uma covarde; perdoa-me por tudo o que te fiz sofrer! Perdoas-me? José deixou cair algumas lágrimas rosto abaixo e respondeu-lhe esboçando um sorriso; Que achas Que te vou responder?

 

Fim.

 

Roberto Marcos.